Do Terra Magazine
Por Vitor Hugo Soares
Sábado, 04 de outubro de 2008
O orixá das encruzilhadas, que bebe cachaça, fuma charuto e ri quando o
O escritor Jorge Amado conhecia as artes de Exu, orixá que anda aprontando na campanha eleitoral de Salvador
fogo incendeia a cidade, anda solto nesta campanha eleitoral para prefeito de Salvador. Evidências? Basta ver os resultados das recentes pesquisas eleitorais de dois conceituados institutos. Os índices divergentes saídos de fornos diferentes na Hora H mal escondem, na capital dos terreiros, o rabo e o tridente de Exu, uma das entidades mais interessantes e simbólicas do candomblé.
O Datafolha mostra três candidatos empatados em primeiro lugar (pela margem de erro), com chances praticamente iguais de passarem para o segundo turno, onde só cabem dois: João Henrique (PMDB), empurrado pelo ministro Geddel Vieira Lima, pontifica com 25%. ACM Neto (DEM), que carrega a tocha do carlismo sem o avô, exibe 24%, enquanto Walter Pinheiro (PT), “opção do coração” do governador Jaques Wagner, eleitor em Camaçari, tem 22%. No Ibope, Neto (28%) aparece disparado com oito pontos à frente de João e Pinheiro, com iguais 20% cada. A cara de Exu.
O falecido Jorge Amado, ungido dos saberes do candomblé desde jovem e conhecedor como poucos das artes de seu orixá de devoção, deve andar feliz onde quer que esteja em seu retiro espiritual. É bastante provável que o velho ateu comunista que entrava com intimidade nos terreiros para beijar as mãos das grandes sacerdotisas dos cultos afro-baianos – de mãe Senhora a Olga de Alaketu e Menininha do Gantois -, aproveite a invisibilidade para, debruçado na folhagem da mangueira do quintal da casa nas alturas do Rio Vermelho, ver melhor o que Exu anda aprontando lá embaixo.
Afinal, não há definição mais completa para a divindade da mitologia yoruba que trafega entre a vida e a morte, que a do próprio autor de “Tenda dos Milagres”. Segundo Amado, Exu come tudo que a boca come, bebe cachaça, é um cavalheiro andante e um menino reinador. Mais que isso, gosta de balbúrdia, é senhor dos caminhos, mensageiro dos deuses, correio dos orixás, um capeta.
“Por tudo isso sincretizaram-no com o diabo: em verdade ele é apenas um orixá do movimento, amigo de um bafafá, de uma confusão, mas, no fundo, uma excelente pessoa. De certa maneira, é o não onde só existe sim; o contra no meio do à favor; o intrépido e o invencível”, garantiu sempre Jorge Amado nas linhas preciosas da obra vasta que legou aos baianos e ao mundo. Mais que perfeita tradução para o que se ouve e se vê na cidade da Bahia destas últimas semanas.
Todos parecem tomados pela presença da popular divindade do candomblé. Dos candidatos a prefeito ou a uma vaga na mais antiga Câmara de Vereadores do Brasil, aos chefes e chefetes da política local e nacional, cabos eleitorais, marqueteiros, artistas, jornalistas. Além, é claro, dos aderentes papagaios de pirata e do “bêbado de comício”, o mais chato dos chatos da política, segundo Ulysses Guimarães.
Gente que faz e acontece ou simplesmente pulula como batráquio nesta complicada e histórica campanha eleitoral, encoberta por nuvens indecifráveis. Formações confusas, que ampliam dúvidas do eleitorado e produzem ataques de nervos freqüentes e generalizados. Foi assim, por exemplo, no último debate, promovido pela TV Bahia, sob mediação de Alexandre Garcia.
Veterano e escolado repórter e âncora da Rede Globo, o gaúcho parecia nervoso e diferente na quinta-feira baiana. Meio “fora do ar”, com ataques de “brancos de memória” que fizeram rir candidatos e assistentes, como se estivesse a quilômetros de distância dos estúdios do bairro da Federação, indiferente a um dos embates eleitorais mais ferrenhos na história recente da terceira capital do País. “Isso é coisa de Exu”, comentou um ouvinte com muitos anos de terreiros nos costados.
O orixá da balbúrdia aprontou também com os candidatos, começando por deixar meio zonzo João Henrique, ao embaralhar os papéis onde o prefeito, bombardeado por todos os lados, levava anotadas algumas perguntas para os adversários. Tirou do sério o tucano Imbassahy (quarto colocado nas duas últimas pesquisas), que desandou a levantar suspeitas e distribuir cacetadas a torto e a direito.
Como se não bastasse, tornou meio pessedistas e repetitivas a maioria das intervenções do impulsivo Neto, do DEM. Fez quase cochilar na bancada Walter Pinheiro, em geral atento e combativo petista. Para culminar, decidiu incorporar em Hilton Coelho, o surpreendente candidato do PSOL, pupilo aplicado da ex-senadora alagoana Heloisa Helena, que, como se sabe, não costuma livrar a cara “de senhor ninguém”, como dizem os soteropolitanos. Resultado: o debate, que alguns esperavam quente e decisivo, foi morno, confuso e terminou como antes de começar.
“Tudo embolado”, resumiu ontem o governador Jaques Wagner. Do jeito que Exu gosta!
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