O Globo
Tatiana Farah
SÃO PAULO – O coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi de 1970 a 1974, foi declarado torturador pela Justiça em uma decisão inédita no país. O juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível do estado de São Paulo, deu ganho de causa à família de Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, militante de esquerda presa e torturada com o marido, Cesar, os filhos pequenos e a irmã, Criméia, no prédio da Operação Bandeirantes em dezembro de 1972.
A família Teles ingressou em 2005 com uma ação civil declaratória na Justiça exigindo apenas uma coisa: que o coronel reformado fosse reconhecido como torturador. O processo é o mesmo de uma ação indenizatória, mas não é pedido nenhum centavo de reparação por danos materiais ou morais. Também não tem efeito penal, já que é um processo cível e a Lei da Anistia não permite punições nesse sentido.
– Fechou uma porta do passado e abriu outra. A do começo do fim da impunidade. Quem sabe seja o fim disso, não é? Ficamos satisfeitos – disse Criméia Alice Schmidt de Almeida, que integrava a Guerrilha do Araguaia e foi presa e torturada quando estava grávida de sete meses:
– Eu fui torturada por ele (Brilhante Ustra).
A sentença do juiz Santini Teodoro julga procedente o pedido de Amelinha, Criméia e César Teles, mas considerou improcedente o pedido de Janaína e Edson Luiz, os filhos de Amelinha, que ainda crianças teriam sido torturados sob comando de Ustra. Para o magistrado, não há provas da participação de Ustra na tortura dos dois. Com isso, o militar foi condenado a pagar as custas do processo, mas os irmãos Teles também foram condenados a pagar parte do processo. Cada lado pagará R$ 10 mil. Criméia disse não saber se Janaína e Edson Luiz iriam recorrer da sentença para reivindicar a responsabilização de Ustra em instância superior:
– Para nós, o importante é que ele seja declarado como torturador – disse Criméia.
Em trecho da sentença, Santini Teodoro faz uma severa condenação à tortura, ainda que haja risco à segurança nacional. “Mesmo quem atenta contra a segurança do Estado, mesmo quem se inspira em doutrinas vigorantes em nações que se abstiveram, em 1948, de votar pela aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mesmo essas pessoas têm direito à preservação de sua dignidade e, portanto, não devem ser submetidas a tortura. A investigação, a acusação, o julgamento e a punição – mesmo quando o investigado ou acusado se entusiasme com idéias aparentemente conflitantes com os princípios subjacentes à promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos -, devem sempre seguir a lei. O agente do Estado não deve torturar, pois qualquer autorização nesse sentido só pode ser clandestina ou manifestamente ilegal”, escreve o juiz, para quem “a lei da anistia não atinge direitos de particulares, que possam ser exercidos na esfera civil. Tortura, que é ato ilícito absoluto, faz nascer, entre seu autor e a vítima, uma relação jurídica de responsabilidade civil”.
A sentença lembra ainda que a tortura é crime que não prescreve.
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